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Longa estreou nesta última quinta-feira (06) nos cinemas brasileiros / Foto: Divulgação |
Texto produzido por @well.nchagas
Grande Sertão tem a ousadia e compromisso de transpor e adaptar a obra-prima imaculada da literatura nacional, do autor Guimarães Rosa, para as novas gerações, trazendo um futuro distópico e consegue a proeza de entregar tudo ao que se propõe, respeitando a obra original e sendo original.
Guel Arraes de "O AUTO DA COMPADECIDA", "LISBELA E O PRISIONEIRO" E "ROMANCE"... Assina a direção de "GRANDE SERTÃO" e também o roteiro ao lado de Jorge Furtado de "O HOMEM QUE COPIAVA", "MEU TIO MATOU UM CARA" e "DOCE DE MÃE" e dão um show a parte, fora o elenco estelar e talentosíssimo, que se despe de qualquer vaidade, para assim entregar interpretações viscerais e inusitadas.
E por falar do elenco... Encabeçam e são protagonistas do filme a atriz Luiza Arraes de "CINE HOLYÚDE" e Caio Blat de "BATISMO DE SANGUE" - ela que é filha do diretor, encarna uma insana e endiabrada Diadorim, papel que um dia foi defendido com unhas, dentes e pelos belos e hipnóticos par de olhos azuis da atriz Bruna Lombardi, no filme original e hoje já clássico "GRANDE SERTÃO VEREDAS" de 1965, e ele que é genro do diretor e esposo da Luiza encarna o atormentado e leal Riobaldo, papel que um dia foi vivido em pele e pêlos... Mas pêlos do que pele... Pelo também veterano ator Tony Ramos - o elenco conta ainda com nomes de nipe como: Rodrigo Lombardi (Joca Ramiro), Eduardo Sterblitch (Hermógenes), Luis Miranda (Zé Bebelo), Mariana Nunes (Otacília) e Luellem de Castro (Nhorinhá).
Curiosidades a parte, coincidência ou não... Em 2017, Caio Blat, 44, e Luisa Arraes, 30, estrearam a peça “Grande Sertão: Veredas”, de Bia Lessa. O espetáculo rodou o Brasil por dois anos. Em 2023, a diretora lançou uma nova adaptação da obra de Guimarães Rosa, dessa vez nos cinemas, intitulada “O Diabo na Rua, no Meio do Redemunho” - inclusive foi nos bastidores da peça que eles se conheceram melhor e se casaram após.
Não posso deixar de destacar entre todos, e que estão de parabéns pelas performances e atuações... Mas um certo ator que roubou a cena e que de fato nasceu para fazer esse papel, aquele coadjuvante que quando entra cena rouba os holofotes para si, sabe? Então... Esse é o caso do ator e multi artista Eduardo Sterblitch e seu capirudo e coiso ruim "Hermógenes" - esqueça tudo que o ator e comediante fez anterior a esse papel / desafio - principalmente o Freddie Mercury Prateado... Esqueça!!!
Sterblitch consegue se despir e se desconstruir de tudo que já fez até hoje para viver, dar vida, defender e morrer pelo seu chifrudo Hermógenes. Impressionante, e digno da famigerada comparação de quê: quando atores comediantes se entregam a papéis dramáticos e vilões... Vão ao infinito e além... Já o contrário... Não pode-se dizer o mesmo.
"GRANDE SERTÃO" é uma adaptação cinematográfica de Grande Sertão: Veredas , obra clássica de Guimarães Rosa. O primeiro filme que é adaptação homônima da obra literária, teve direção e roteiro do diretor e roteirista Geraldo Santos Pereira de "QUEM MATOU PACÍFICO?" e "O SOL DOS AMANTES" e o filme conta a história de Riobaldo, homem que se junta a uma trupe de jagunços que procurar vingar a regiões do sertão mineiro. Ponto.
O longa de Arraes e Furtado, adapta o clássico para a realidade, que flerta propositalmente e nos faz lembrar do obscurantismo e fascismo da era já passada bolsonarista - inclusive o personagem de Zé Bebelo, que é brilhantemente interpretado pelo ator Luiz Miranda, é o responsável por nos trazer esse resquício de gosto amargo na boca e na alma.
No recorte atual do filme e narrativa, sai a paisagem do "GRANDE SERTÃO VEREDAS" imaginada um dia por Rosa, e entra a periferia urbana, onde na trama, o "GRANDE SERTÃO" é uma favela e comunidade, que é controlada por facções criminosas onde uma luta entre policiais e bandidos assume ares de guerra. Neste lugar, Riobaldo (Caio Blat) acaba entrando em uma delas para seguir Diadorim (Luisa Arraes), cuja identidade e a paixão que sente são mistérios conflitantes em sua cabeça. A partir de então, em meio a um ambiente hostil de guerra, Riobaldo enfrenta dilemas éticos, morais e existenciais, enquanto busca entender seu lugar no mundo e sua própria natureza - e eis aqui umas das polêmicas e GRANDE X da questão da adaptação.
Entre alterações que normalmente acontecem em releituras e adaptações... Normal - e aqui temos umas das... Que é a questão da sexualidade e do gênero de Diadorim também foi alterada. No livro, Riobaldo se martiriza por imaginar estar amando um homem, para ao final descobrir que trata-se de uma mulher. Já no filme, o assunto é tratado de outra maneira porque o diretor acredita que o debate sobre revelar sua homo, bissexualidade ou sexo fluido já avançou de lá para cá, mas Diaorim não necessariamente se encaixa no binário, não é "ele" ou "ela" e sim, só Diadorim. E ponto.
Apesar de se ter relatos de historiadores e da própria esposa de autor da obra original quê: Diadorim era homem e outros vão mais além... E dizem que Diadorim seria o primeiro personagem trans da literatura brasileira - conspiração a parte... Verdade que Luiza ARRAES tanto na peça, quanto no filme "GRANDE SERTÃO" tem uma entrega e atuação como nunca visto antes em sua carreira, de longe é seu melhor papel e atuação - a atriz se jogou de corpo, braços alma, coração, corpo e alma, fazendo jus ao seu personagem, que em umas de suas falas iniciais do filme diz: "PASSARINHO QUE SE DEBRUÇA - O VÔO JÁ ESTÁ PRONTO".
Guel inclusive deu uma entrevista onde disse:
"Talvez tenha sido a coisa que a gente mais mexeu no livro, mais que a transposição. Não é que a gente mexeu, a gente acrescentou. Achamos que 'sair do armário' já não é uma questão tão contemporânea quanto era quando o Guimarães escreveu esse livro, em 1956, que foi uma coisa revolucionária do ponto de vista comportamental. Então, a gente achou que precisava atualizar isso, porque o mundo andou. Começamos a imaginar quem era Diadorim, e aí demos as motivações para Diadorim estar desse jeito, que não é propriamente só entrar na guerra, é uma grande motivação dela, mas ela luta contra o estereótipo feminino de que a mulher não pode fazer a guerra, de que a mulher tem que botar vestido. O pai dela dá um vestido, ela não quer. A mulher é combatente, ela é guerreira, ela é potente."
Por mais que o diretor e roteirista queiram conservar o texto original e fiel ao livro, tipo o que o Bazz Lhurman fez ao adaptar uma obra de Shekespeare "ROMEU & JULIETA", para a atualidade e para uma solar Verona... Temos que fazer aqui um atualização das configurações, para só assim serem atualizadas com sucesso e podermos nos permitir embarcar nessa viagem de roteiro retrô e original e visual futurista... Mas também pra lá de original - Apesar de manter a essência do livro, o longa de Guel mudou alguns pontos importantes, sendo o cenário um deles. O diretor comentou sobre isso.
"Ele [o livro Grande Sertão: Veredas] é, para mim, o maior livro brasileiro. Para muita gente, é o maior livro da língua portuguesa. E tem uma história incrível, uma poesia maravilhosa, e é um desafio transpor. Já a questão da guerra urbana, digamos, foi um pouco a nossa... Como você entra em um livro que é absolutamente consagrado? Você já está perdendo de 10 a 0. Como você vai trazer algo que possa acrescentar àquela obra?"
A GRANDE sacada para curtir o filmaço com quês de "ÉPICO POS APOCALÍPTICO" a lá "MAD MAX" e "NOVO CANGAÇO" é simples: se permitir e se desprender de todos os por quês e comparações com a obra original (livro + filme), que ambos já são clássicos e lembrar também quê estamos diante de releitura futurista e distópica, que visa principalmente despertar o interesse das novas gerações para as obras literárias e filmes clássicos do universo de Guimarães Rosa - em épocas de Sppin-off raiz como "FURIOSA - UMA SAGA MAD MAX" e sua vingança laranja... GRANDE SERTÃO É MUITO BEM VINDO SIM SINHÔ. VISSE!!!
O filme vem acumulando uma trajetória interessante em festivais. Em 2023, Arraes foi premiado como melhor diretor na 27ª edição do Critic's Pick Tallinn Black Nights Film Festival (PÖFF), na Estônia.
Não é preciso ler o livro ou assistir o filme clássico para entender e entrar no admirável mundo novo de "GRANDE SERTÃO" - mas tenho certeza que após assistir o filme você ficará estigado a conhecer não só o livro ou o filme e sim toda a obra de Guimarães Rosa.
Pois bem meu povo cinéfilo de plantão e amantes da sétima arte... "GRANDE SERTÃO" já está em cartaz nos cinemas do Brasil.
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