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A negociata interrompida...

O Prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT) - Secom

Surpreendido neste 30 de abril pela divulgação no Jornal da Record de um contrato suspeitíssimo firmado 17 dias antes entre a secretaria da Saúde de Araraquara e uma empresa de São Paulo, o prefeito Edinho Silva fez o que recomenda o manual do cinismo. Primeiro, publicou uma nota que anulava a transação urdida para comprar 30 respiradores hospitalares por espantosos 4,2 milhões de reais. Horas depois, num vídeo publicado no site do PT, acusou este colunista de propagar fake news. Também garantiu que o autor da denúncia trocou o jornalismo pela militância política, jurou que jamais comprara um único e escasso respirador e gabou-se de tratar com muito zelo a verba que recebeu para combater a pandemia de coronavirus.

Ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff, três vezes prefeito da cidade, o companheiro Edinho agiu com um amadorismo de envergonhar os veteranos corruptos do partido. Esqueceu, por exemplo, de ocultar as provas materiais da vigarice abortada. Esqueceu de combinar com a secretária da Saúde algum script que os livrasse de contradições bisonhas. Esqueceu de montar com especialistas em patifarias um álibi menos mambembe. E esqueceu que existem jornalistas independentes. É o que mostrará amanhã, neste espaço no R7, a reconstituição detalhada da negociata interrompida.

Não percam, leitores. Não perca, prefeito...

O ex-chefe da Secom de Dilma Rousseff logo estará de volta aos tribunais 

No dia 13 de abril, a Secretaria de Saúde de Araraquara publicou no site imprensaoficial.com.br um comunicado que ratificou a aquisição, com dispensa de licitação, de 25 ventiladores pulmonares eletrônicos de reanimação fornecidos pela empresa R. Y. Top Brasil Ltda, no valor total de R$ 4,198.750,00. Como o valor de Mercado desse Equipamento tem oscilado entre R$ 60.000,00 e R$ 75.000,00, pareceu intrigante a obesidade das cifras: os quase R$ 168.000,00 torrados em cada respirador bastariam para importar um Mercedes A300. Poderia ter sido pior: na planilha que agrupa as quantias empenhadas sem licitação para o combate à pandemia de coronavírus, a coluna "Valor Estimado/Médio" admite a hipótese de despejar R$ 5.676.000,00 no mesmo lote de 25 respiradores. No dia 20 de abril, em entrevista à Rádio Morada do Sol, a secretária Eliana Honain, que age em perfeita sintonia com o prefeito Edinho Silva, mostrou-se feliz com o andamento da transação.

A certa altura, o entrevistador perguntou-lhe se confirmava os valores mencionados no comunicado, se a importação do produto chinês esbarrara em alguma dificuldade e se algum respirador já havia chegado a Araraquara. "Nós compramos de uma empresa que ela é filial da China", começa Eliana a espancar a língua portuguesa. "Então, é diferente, ela traz de empresa pra empresa, tá? E aí, assim que a gente comprou, nós já pagamos 25%, que são esses praticamente seis que eles praticamente já entregaram, e os outros chegam quarta ou quinta-feira". Na continuação do palavrório, a secretária informa que as negociações foram tantas e tão frequentes que nem tem ideia do número de reuniões em que tratou do assunto e quantos interlocutores cruzaram seu caminho até que chegasse ao final feliz. O entrevistador volta a mencionar o valor da compra. "Tá tudo superfaturado, né?", diz Eliana, com a candura de quem fechou um negócio da China.
Negócio da China fez a Ry Top Brasil. Onde a secretária de Saúde contemplou a filial de um colosso industrial baseado no Extremo Oriente, quem vê as coisas como as coisas são enxerga uma microempresa escondida no bairro paulistano do Canindé. Com capital social de R$ 50.000, a Ry Top Brasil pertence ao chinês Kong Jie e ao brasileiro Roberto Tian. Microempresas não podem arrecadar mais que R$ 360.000 por ano. Só com o contrato em Araraquara, a empresa abocanharia 11 vezes mais que o limite estabelecido por lei. A sequência de espantos prossegue no site da Ry Top. Estão à disposição da freguesia aparelhos eletrônicos, utensílios domésticos, maquiagem e maletas. Quem clica o link denominado PROD. MÉDICOS HOSPITALARES desembarca numa página com um aviso:

"Devido a grande demanda e instabilidade dos custos da operação, retiramos os itens e preços do ar".

O bê-á-bá da corrupção recomenda estreitar a vigilância sobre compras sem licitação envolvendo um comprador com dinheiro de sobra e um vendedor nas fímbrias da indigência empresarial. Aí tem, desconfiam até detetives estagiários em seu primeiro dia no emprego. Tinha mesmo, confirmaram as apurações do repórter Artur Piva. Nos dias 29 e 30 de abril, o caso dos respiradores de Araraquara foram objeto de comentários feitos por este colunista. A reação do prefeito Edinho Silva e, a mando do chefe, da secretária Eliane Honain provaram que, para desolação dos que desperdiçam o dinheiro dos pagadores de impostos até em meio a pandemias, um negócio com cara de negociata foi abatido em pleno voo. No mesmo dia 30, começou a bisonha tentativa de transformar culpado em inocente, xerife em vilão, mentira em verdade e fatos em fake news.

Orientada por Edinho a cancelar o acerto com a Ry Top, a secretária Eliane informou em papel timbrado que "a dispensa de número 028/2020 fica anulada, conforme motivos constantes dos autos". Dispensa de licitação, poderia ter esclarecido Eliane se não fosse a pressa que a fez esquecer de assinar o documento. Assinou o seguinte, redigido pouco depois para explicar que a aquisição fora anulada "tendo em vista o descumprimento do prazo de entrega contratado e pelo bem da administração pública". No parágrafo seguinte, a signatária lembra que a Ry Top está obrigada a devolver os 25% pagos pela prefeitura de "o valor pago, de 25%". Na entrevista do dia 20, Eliane confirmara que seis respiradores - 25% do lote de 25 - haviam sido entregues. Como exigir o dinheiro de volta?
Porque a Prefeitura não comprara respirador nenhum, garantiu Edinho numa live divulgada no dia 1º de Maio. Aconselhado por um radialista que atende pelo codinome Madalena ("Ao contrário da figura bíblica, esse Madalena não se arrepende da infinidade de pecados que comete todo dia", debocham os araraquarenses), o prefeito petista em campanha por um quarto mandado acusou-me de ter inventado histórias para causar-lhe prejuízos políticos e eleitorais. Quem ficou no prejuízo foram os moradores da cidade. Ele não me deve explicações. Terá de explicar-se ao Tribunal de Contas do Estado e aos órgãos de fiscalização incumbidos de devassar as consequências da ressurreição da indústria da calamidade pública, especializada no manejo de despesas sem licitação.
O ex-chefe da Secom de Dilma Rousseff logo estará de volta aos tribunais. E terá de sobreviver ao julgamento nas urnas.
por Augusto Nunes

Augusto Nunes
Augusto Nunes estudou na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e começou sua carreira como revisor no Diário dos Associados. Foi repórter em O Estado de S.Paulo e da revista Veja. Dirigiu jornais e revistas como O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil (SP), Veja, Época e Forbes. Apresentou o Roda Viva, da TV Cultura.
Augusto foi quatro vezes vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo e considerado pela Fundação Getúlio Vargas (FVG) um dos mais importantes profissionais da área do país. Envolvido com literatura, um dos livros que organizou e editou foi o Minha Razão de Viver: Memórias de Um Repórter. Escreveu as biografias de Tancredo Neves e de Luís Eduardo Magalhães, além de A Esperança Estilhaçada — Crônica da Crise que Abalou o PT e o Governo Lula.
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MARIO PINHO

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